Quando o inverno chegar

segunda-feira, 14 de maio de 2018


Existem pessoas que amam qualquer estação do ano. Eu vivo da forma que elas oferecem e relembrar do inverno que passei em Santiago do Chile não me trouxe nenhuma saudade, pois lá, diante de um aquecedor, os dedos sem luvas retorciam, não era capaz de sentir o calor, as chuvas de verão e o cheiro das flores da acolhedora primavera. Naquela bela cidade não era possível cobrir o meu sono, pois estava carente de sol.

Fui visitar a Capital chilena no mês de outubro do ano de 2016 e numa manhã fria e gelada de inverno me senti acompanhado pela sinfonia das neves que esfriava os pés mesmo usando sapatos aquecidos. Naquele mês, no Brasil, predominava a primavera. Em Santiago, via as pessoas andando com pressa nas ruas e avenidas seguindo pro trabalho e afazeres, todas agasalhadas até o pescoço. Era um festival de cores, botas até o joelho, casacos compridos e escuros, para todos os gostos. Mas naquela mesma manhã, a mesma neve fina que caía mansa, também cobria o telhado alaranjado das casas e o escuro asfalto, batia sobre os vidros da janela, fazendo um barulho suave que me tirava do embalo do meu sono já travado pelo intenso frio. Embrulhado por cobertores grossos, procurando dormir e sonhar com o único desejo que trazia a mim, uma esperança, rolava pela cama, espreguiçava, mas notava que nela havia uma ausência: o calor, mas não o do “cobertor de orelha”, tão comumente chamado no Brasil. Pela fresta da janela podia ver tranquilamente a Cordilheira dos Andes, verem o tempo ser fechado por esbranquiçadas neblinas, mas dessa vez, um pouco mais forte. Lá na avenida, dava pra ver uma linda mulher, apertando o casaco contra o corpo, andando devagar, cabeça coberta por um tecido de lá. O seu rosto pálido era fácil notar, assim como, o cheiro de camomila trazido pelo gelado vento. Aquietei-me. Meus pensamentos iam até o mundo inóspito, um lugar desconhecido, onde cenas faziam embalar meus sentimentos, me faziam lembrar dos abraços que recebia do manto da noite que me envolvia com amor, Lembrar dos soluços que ecoavam pela casa fazia e das lágrimas e mais lágrimas derramadas sem parar que saíam dos olhos serenos de uma garota, cheios de amor, mas que vinham acoplados de tristeza e solidão.

Lembrar-me daquela tarde ensolarada, daquele verão que passamos juntos, deitados na areia de uma praia que criamos em nossa imaginação e das às ondas que vinham e voltavam; lembrar das gaivotas que faziam seus voos rasantes sobre uma praia deserta; lembrar do barulho das ondas e era com tanta força que parecia real, mas era um amor tão surreal, imaginário, impossível de descrever, de explicar, só quem pertencia a aquela região inóspita poderia entender.

Dei uma pausa. Olhei novamente pela fresta da janela e lá fora, quase não havia mais neblina, as pessoas se avolumavam nas ruas andando, se debatendo um contra o outro, cada um com seus pensamentos em algo, nos problemas, nos filhos, nas tarefas, nas lojas cheias, nas pessoas comprando, gastando, ganhando ou comendo, e era assim uma manhã fria, monótona. As pessoas faziam as mesmas coisas quase todos os dias, mas não era uma manhã qualquer para aquela linda mulher que se juntava à multidão vestindo uma jaqueta preta, os olhos cheios de lágrimas, que jamais entenderei por que. Alguém ia ao encontro dela e a olhou fixamente naqueles olhos magníficos e perguntou estranhamente: Você quer ir tomar um leite com chocolate ou café?. A mulher o fixou pasmo. E não era uma manhã qualquer, mas os dois se entreolharam e continuaram no meio da multidão, Naquele instante parecia que nada poderia separá-los, pois havia no peito deles um desejo ardente, vadio. A neve caía, geava mais forte, mas nem se importavam, pois ali estavam eles, amor e o tudo.

Naquele oitavo andar, às vezes fazia da vida analogias de situações em que às vezes me encontrava, não importava onde. Quando passava por momentos difíceis, em invernos onde o sol batia fraco e não nos aquecia, onde a chuva era fina e não nos nutria, sentia que minha árvore genealógica perdia o viço de suas folhas e caíam lentamente por não serem capazes de se manter devido ao inverno rigoroso que passei em certos momentos de minha vida. Bom, mas as raízes, estas sim, não morrem tão facilmente, uma vez que estão envolvidas pela mãe terra que as sustentam, que as protegem do frio onde também são nutridas com a água que se acumula nesses pequenos grãos de vida que nos faz refletir sobre o que temos e se somos capazes de sorrir e florir, gerar frutos e sementes antes da chegada desses dias difíceis de inverno. Quando vemos que nada fizemos por merecer, o sol da primavera, do verão ou do outono, passa às vezes e nada geramos em prol do bem comum, não procuramos refletir sobre a nossa vida sem flores e sem perfume, sem frutos e sementes. É nesse momento que o inverno rigoroso nos permite refletir e assim nos fortalecer para a próxima estação e então mudar, para nos fazer sorrir quando o sol voltar a brilhar. Por fim, quando o inverno chegar devemos pacientemente esperar que ele passe para que possamos gerar sementes que venham a fortalecer a floresta de nossa vida e o mundo como um todo.




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