O cupido das caatingas.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Certo dia na pequena cidade de Santana do Agreste, ladeada por imensas caatingas, terreno seco, inóspito, incrustado na região nordestina, apareceu um cupido e diante uma jovem perguntou: Ô moça qual foi à última vez que você se olhou no espelho? Notando o espanto que se aflorou no rosto dela, completou: Com mais clareza quero complementar a pergunta: Qual foi a última vez que você realmente se olhou no espelho? Vendo certa tristeza no semblante dela, insistiu: Já percebeu o quanto você é única, bonita e especial, e se não percebeu ainda, provavelmente você não anda se olhando direito no espelho. Já reparou também no quanto você é perfeita ao seu próprio modo? No quanto você é o sinopse de você mesma, de um jeito que ninguém poderia superar, e que isso te faz única? As pessoas costumam se olhar através de camadas de preconceitos, de padrões pré-estabelecidos e assim fica difícil ver a si mesmo, como se fosse de verdade.

A garota olhou para o cupido e com certa raiva o questionou: Quem és tu, ô mosquito miúdo, abelhudo, de asas brancas? Quem acha que tu és para entrar no meu quarto e me pedir para olhar no espelho. Não és cria de Lampião ou é? Tome atitude e vire essa diminuta flecha afiada para outro lado. O cupido respondeu: Garota, não se apoquente, pois eu sou o seu cupido e algo está para acontecer contigo hoje. Sinceramente, acho vai precisar de mim, mas primeiro, olhe no espelho e tente não enxergar aquele amor que te cega, incoerente, descabido e que tens por aquele vaqueiro que mais parece uma girafa, pois além de feio, grandão tem pescoço alongado, e ele parece nem perceber que você existe, nem te dá à mínima. O que eu quero dizer é que você deve ser o seu próprio referencial. Olhe no espelho. Por favor, olhe e sorria!... A autocrítica é importante. No entanto quero te lembrar que tenho asas, sou pequeno, mas não um mosquito e nem ser humano, então, não sou passível de erros como vocês e não deixe que o seu amor-próprio se transforme em soberba. Dê valor aos seus sentimentos, veja a pureza que irradia no seu coração. Descubra os seus valores morais e espirituais, inclusive àqueles que você tem por si mesmo, mas que, talvez, desconhece. Quando você se olhar no espelho, observe que seus olhos verdes vão brilhar. Quando você vires alguém que te ama e a admira muito, como está brilhando agora, mesmo sendo o pescoçudo. Olhe pra mim e veja que estou com a flecha bastante afiada e a ponto de ser lançada. Indignada, olhou no espelho e nem percebeu que o seu amado, o vaqueiro girafa, acabava de chegar, o qual, vendo aquele sujeitinho voando inquieto pelo quarto, foi à cozinha, pegou um spray de inseticida, apertou o gatilho e vapt-vupt! O cupido tagarela ficou tonto e se esborrachou no chão. Moral da história: Tem certos momentos que, não importa qual tipo de pessoa que está em nosso convívio, e ou mesmo se tiver errado tanto, é bom que cada uma atire com sua própria flecha.

No entanto, a aparência de um cupido ou daquele moço desajeitado, mas querido por todos não podiam ser confrontadas, pois os dois estavam ali com as mesmas intenções e pensamentos dignos. Por outro lado, o jovem “girafa”, além de bom vaqueiro, era trabalhador e de certo modo, bem apessoado, mas naquele dia, talvez desconfiado, não entendeu porque aquele cupido estava naquele quarto falando com sua amada, dando a entender que torcia por ele, ou quiçá, pelos dois. O cupido o conhecia bem, tinha poder pra isso e sabia das boas intenções dele e das conquistas pessoais e profissionais conquistadas durante sua existência. Mas as ações do cupido em prol dos dois não eram diferentes das outras e nem foram em vão. Todavia, com o sentimento de não ter sido compreendido, o cupido partiu, mais deixou brotado no coração dos dois uma linda história de amor. Naquele momento difícil, ainda atordoado, levantou-se, pegou seu arco e flecha, olhou para os dois, acenou e deixou uma humilde e simples mensagem, ficando claro que a jovem merecia muito mais do que aquele garoto “girafa”, e assim, é desta forma que encerro esta simples crônica que procurei escrever de forma harmoniosa para agradecer e ter conhecido a história da bela Alice Nonato e do vaqueiro Chico Seridó, assim como, da existência naquela região do nobre cupido Caicó.

A Lua descia soberba no horizonte, cumpria sua rota e trazia o amanhecer e com ele um novo dia. O sol voltou a brilhar de modo diferente em Santana do Agreste. A vida nada mais era do que um caminho que ninguém sabia onde era o seu término, mas mesmo assim, a pessoa humana continua caminhando sem parar, talvez, à busca de um cupido qualquer. O homem embora tenha alma e consciência não sabe quando ele termina e nem se levará um grande tombo no final. O ser humano, com ou sem seu cupido, continua caminhando como se estivesse procurando a imortalidade, a vida eterna, mas tudo, infelizmente, é um mistério.

Comparando-me a história daquele cupido, acho que o meu sempre gostou de matemática, pois desde os tempos de adolescente só me traz problemas. O cupido aprontava comigo, mas eu não acreditava que ele existia. Certo dia, eu senti uma flechada no peito e olhando de soslaio vi uma garota encostada no banco de uma praça. Veio-me uma sensação estranha, uma atração instantânea... O olhar penetrante dela fulminou o meu coração, como a um raio cheio de ternura. O Cupido tinha aprontado mais uma vez comigo, mas aquele garoto sonhador, com alma de poeta, a travessura do cupido só podia lhe deixar cicatrizes. Mas como resistir à tentação, na realidade, eu até agradeci ao cupido. O tempo passou e voou como uma flecha que se cravou no coração do tempo, mas embora fugaz, a emoção naquele dia explodiu diferentemente em meu peito, trazendo-me o amor, o prazer, o sentimento que nem sabia existir, e, doravante, passei a entender que cupido não é mosquito, têm asas, mas somente voa para orientar às pessoas que não existem preconceitos, padrões pré-estabelecidos pela sociedade quando se há entre as partes o verdadeiro amor. Assim é necessário que voltemos a ser essa criança, nascer quantas vezes for preciso e espreguiçar entre os lençóis embebidos com nossos próprios sonhos, e, talvez, até fiquemos encantados com histórias que surgiam das esbranquiçadas caatingas.




0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions