A epopeia de Mário Dumont

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Ele era muito jovem quando realizou aquela viagem, uma verdadeira epopéia, mas convicto de que ia a busca novos horizontes. E num ônibus provido de fartos desejos foi à procura de um amor há tempos não adormecia em seus braços, ou talvez. ele o considerasse pequenino em proezas, ou um piloto sem comando à procura de um mundo novo. Com seus óculos de grau sentia-se fartado ao avistar aquelas terras, e a cada minuto ia apagando as tempestades passadas, pois sabia que pisando nelas, fincaria também suas estacas, divisas, produziria em solo fértil e alcançaria aquilo que jamais imaginava. E sua imaginação a vagar podia até escutá-lo, mas, a terra lhe dizia numa frase que só ele podia decifrar: Tu poderás até ficar aqui, mas espero que se torne grande produtor e cuide também de mim.

E a história começou assim: Tempos idos, talvez não contabilizados por ele, pegou um ônibus e seguiu viagem, e este balançava na estrada de chão, cheia de buracos, arada provisoriamente para nela fosse construída outra pavimentada. Era uma região bastante produtiva e havia necessidade de se construir uma rodovia para atender aos apelos dos produtores rurais e indústrias locais, que cresciam vertiginosamente. Às margens da rodovia viam-se máquinas rasgando o chão poeirento acinzentando o céu escasso de nuvens. Do lado direito, viam-se também lindas pastagens e nela despontavam-se capins ressecados pelas intempéries do tempo. Com prenúncio de chuvas os produtores com seus tratores rasgavam a terra para o plantio de milho e soja. O ônibus trepidava sobre os cascalhos e veloz, deixava para trás cheiro de borracha queimada e uma nuvem de poeira que se impregnava nos vidros enquanto outras eram levadas pelo vento. Naquela época andar de ônibus nas estradas que se conectavam com várias regiões era uma aventura. Primeiro, porque a estrada era horrível, o que tornava a viagem um pouco nervosa e bastante demorada. Segundo, porque eram poucos os pontos de parada, o que gerava certa ansiedade. Terceiro, porque os ônibus eram antigos e/ou bastante detonados, o que representava um risco de a viagem simplesmente não terminar.

Pois bem. Apreensivo, ele estava no ônibus que mal permanecia em linha reta, deixando os passageiros inquietos em suas poltronas, os quais se ajeitavam como podiam. De soslaio o jovem Mário olhava as pessoas e via em cada semblante uma mistura de ódio, medo, felicidade, descontentamento e aflição. Tudo lhe fazia lembrar-se do mundo nefasto em que vivera. Na realidade, ele sentia uma tristeza infinita ao notar que em cada rosto podia se vislumbrar como a humanidade está doente. As alegrias eram tão poucas que ao fitá-los, elas encolhiam-se tímidas em suas poltronas como medo de serem abordadas.

Mário Dumont perdeu seu pai muito cedo, mas, antes de morrer, ele lhe ensinou três regras de vida: vá à busca de seu ideal, ame muito, lute mais ainda. Tendo crescido em uma família humilde, mas de homens trabalhadores, que gostavam de jogos e lutas, razão pela qual ele se tornou um cara durão. Corpo musculoso, tatuado, olhos castanhos claros, cabelos encaracolados, levou uma vida difícil até conhecer Jéssica Pascoal, uma mulher guerreira e de boas posses, não resistindo ao charme dela, sem saber que só assim o deixaria mais determinado a conquistá-la. Será que o grande Mário, o irresistível, foi derrotado por uma garota?

Que epopéia! Tinha que percorrer quase dois mil quilômetros para se chegar à cidade de Minuano. O ônibus pifou! Uma pane no motor. O motorista levou quase seis horas para consertá-lo. Seguiu viagem e logo veio a penumbra da noite que caiu sobre a estrada sem a mínima sinalização. Faltavam ainda quinhentos quilômetros, mas sabia que todo este esforço valia à pena, pois seria compensado ao encontrar com sua adorável Jéssica que já o esperava na estação rodoviária. A saudade era imensa, pois há mais de um ano não se viam. O pior, quiçá, ou melhor, é que o casamento deles estava marcado para o dia seguinte. Mário, exausto, mesmo chegando poucas horas antes, casou-se.

Amanheceu. O sol já se despontava no horizonte. O céu estava azulado e nenhuma nuvem a importuná-lo. Despediram-se dos familiares, ajeitaram as malas e partiram rumo à bela cidade de Santana do Agreste. Minuano foi ficando para trás. À frente enfrentariam a mesma estrada poenta, esburacada, mas certos de que levavam em seus corações esperanças em dias melhores e depois da lua de mel, voltariam para enfrentar as nuances imposta pelas terras que teriam que cuidar. Foram muitos os heróis anônimos, também conhecidos como motoristas, que trafegavam de ônibus nas piores estradas brasileiras. Lama, barro, terra, buracos, desvios, pontes perigosas, animais selvagens, chuvas torrenciais, os ingredientes de uma viagem deste tipo são muito marcantes. Uma análise feita por uma especialista mostra como é o dia a dia destes corajosos cidadãos brasileiros. O ônibus em que Mário viajava com Jéssica se desviava das ondulações feitas pelas máquinas gigantescas, enquanto o rosto dele se deleitava sobre o ombro dela. Enfim, chegaram a Santana do Agreste. Com o corpo e semblantes cansados, eles desceram do ônibus e seguiram rumo ao novo lar. Entraram na casa e de imediato abriram as portas, escancaram as janelas para tirar o mofo e facilitar a entrada de ar para purificar o ambiente abafado. Mário foi até a janela, olhou para o céu, suspirou e disse: nunca fiz da vida uma epopéia, mas se foi epopéia ou não, nada foi em vão, pois conheci a Jéssica, a mais bela de todas as mulheres...





0 comentários:

Postar um comentário

 
Vanderlan Domingos © 2012 | Designed by Bubble Shooter, in collaboration with Reseller Hosting , Forum Jual Beli and Business Solutions