Amigo leitor (a)

Amigo leitor (a). Quando lemos um livro, ou qualquer texto, publicados ou não, que são sinônimos do prazer, por mais simples que forem, sejam reais ou surreais, nos permite exercitar a nossa memória, ampliar nossos conhecimentos e nos faz sentir as mais diversas emoções, por isso, sensibilizado, agradeço a sua visita ao meu Blog, na esperança de que tenha gostado pelos menos de um ou que alguns tenha tocado o seu coração. Noutros, espero que tenha sido um personagem principal e encontrado alguma história que se identificasse com a sua. PARA ABRIR QUALQUER CRÔNICA OU ARTIGO ABAIXO É SÓ CLICAR SOBRE O TÍTULO OU NA PALAVRA "MAIS INFORMAÇÕES. Abraço,Vanderlan

Torquato, o açougueiro.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Semana passada o Brasil sofreu mais uma reviravolta moral e ética. Torquato Neto detrás de um balcão cortava com maestria parte de um filé para atender um cliente, mas foi surpreendido quando ele lhe perguntou se a carne estava em boas condições para consumo. Sem entender a pergunta olhou de soslaio para o doutor e continuou cortando a carne fresca, tão fresquinha que sangrava. Eu disse carne fresca e não carne fraca. O doutor era cliente antigo do seu açougue e jamais reclamara. Todavia tal pergunta o preocupou, mas de repente, ouviu no seu radinho que ficava ao lado do caixa uma notícia constrangedora que falava da prisão de várias pessoas que estavam recebendo propinas para liberar carnes estragadas de grandes frigoríficos. Torquato então deu um sorriso largo e tranquilizou-se. Disse ao seu cliente que a carne que vendia nada tinha a ver com aqueles produtos citados pela Polícia Federal. O cliente conferiu a mercadoria e saiu satisfeito. Torquato ainda preocupado, pois a notícia poderia lhe trazer prejuízos financeiros, pensou e muito. Como se tratava de um ser político, sonhador, honesto, trabalhador e entendedor do processo de manuseio da carne ficou pensando e seu pensamento ia e voltava na velocidade da luz. E foi nesses segundos ao usar em demasia a força de seu pensamento que se viu vagando pelo espaço sideral e num vôo alado, esquisito, alcançou lugares distantes e inimagináveis para uma mente humana. Sustentado pela força da gravidade fotografou tudo que vira pela frente, e lá de cima, pode vislumbrar a amplitude do universo que nem sabia se tinha fim. Voava alto, bem alto e dava para ver que as nuvens nem mais se assustavam com sua presença e com aqueles pares de asas brancas encorpadas em seu corpo, todavia, entendeu que cada uma levava consigo uma mistura de fé, esperança, ilusão, desilusão, mágoa, ansiedade e, sobretudo, medo.

No seu vou imaginário Torquato sentiu que era difícil entender o que se passava nas mentes silenciosas de políticos corruptos e corruptores que perderam o prestígio e estão à beira da derrota. Será apenas medo de encará-la novamente ou de não poder revelar e não mais ser atendido nos acordos ou propinas palacianas? Tudo deve estar “grampeado” pela Polícia Federal e deve continuar... À noite após assistir noticiário televisivo, de ouvir falácias e mais falácias através de jornais e ler algumas más notícias para poder escrever este artigo foi tantas denúncias e controvérsias que eu não cheguei a nenhuma conclusão fática. Fiquei desnorteado, indignado igual ao Torquato e de imediato desliguei a TV. Passados alguns segundos me postei novamente diante do computador para descrever as cenas fragmentadas de reportagens sobre a ação da Polícia Federal denominada “operação Carne Fraca”, que se repetiram à exaustão, mostrando mais uma vez a PF prendendo gente graúda, que sem nenhum respeito ao povo brasileiro autorizavam mediante propina desembargos de produtos e a venda de carne estragada. 

“É comum usarmos a frase “a carne é fraca” para justificar nossas “quedas” sociais, justificativas ou se desculpar por um erro cometido. Mas no caso em tela não há desculpa, pois se trata de uma operação da Polícia Federal denominada de “carne fraca”, não aquela fraqueza acima mencionada, mas da fraqueza de caráter de alguns proprietários de frigoríficos de renome nacional ao autorizar a venda de produtos estragados com a aplicação neles de alguns ingredientes para tapear a população brasileira, tudo isso com a “complacência” da fiscalização do Ministério da Agricultura. Usaram até atores globais para divulgar o produto, então faço três perguntas: Se uma pessoa não fuma, pode fazer propaganda de cigarro? Se uma pessoa que não bebe pode fazer propaganda de pinga ou cerveja. Se uma pessoa é vegetariana pode fazer propaganda de carne? Tudo propaganda enganosa e enganaram mesmo, vendendo produtos de má qualidade e esses atores hoje é que estão “pagando o pato”. Meu Deus! Pensei: Para onde está indo o nosso País? Abri a telinha do computador e mais indignado fiquei quando apareceu uma lista (fotos) de pessoas que receberam propinas e de políticos que usufruíram delas para se reelegerem. Não suportando tanta safadagem voltei para o meu recanto sonhador e escrevi nas paredes do mundo, com letras garrafais, os motivos da minha decepção e revolta em relação à política brasileira e à corrupção que se alastra por todos os cantos. O País está à beira do colapso total e o dinheiro continua saindo pelos ralos. Abri o jornal que estava sobre a escrivaninha e fiquei observando os semblantes de alguns políticos que se beneficiaram dessa carne que nada mais é que “carnificina”, uma rota homicídios em larga escala onde as vítimas são os próprios consumidores. Aqueles que foram listados pela Odebrecht, Operação Lava-Jato, também são responsáveis, pois as propinas recebidas por eles também deixaram o Brasil num caos, cujos valores salvariam muita gente que estão morrendo em filas de hospitais, dinheiro que daria para alimentar e construir moradias para muitas pessoas famintas e desabrigadas; dinheiro que não deixaria a educação como está, esfacelada; dinheiro que evitaria o fechamento de lojas e fábricas; dinheiro que evitaria o desemprego de mais de 12 milhões de pessoas.

Quando vi a fotos e nomes senti-me ainda mais constrangido e decepcionado quando numa delas visualizei a de uma pessoa que conhecia e que achava ser de boa índole. Se a carne é fraca, analisando o termo bíblico de forma inversa, devemos entender assim: Esses corruptos deviam fortalecer com o bem seus espíritos, imbuírem-se de caráter e reconhecerem que seus atos maléficos trazem riscos à saúde da população, não só do Brasil como em todo o mundo.

Torquato, um açougueiro, nascido no sertão, teve que usar as asas de sua imaginação como forma de entender o que passava com a humanidade, pois percorreu também a estrada da vida e durante o voo pode vislumbrar momentos de desespero em face dos desastres naturais provocados pelo próprio homem. Através dessa viajem imaginária, observou os erros e acertos em várias partes do mundo, mas, realmente, não chegou a nenhuma conclusão fática em relação à natureza do homem, todavia, imbuído do desiderato de bem informar aos seus clientes e de haver encontrado ao longo dessa “viajem” o respeito ao ser humano e visualizado alguns sonhos, preocupou-se é claro com a situação que ora passa o Brasil, pois tal assombro dificulta ao homem alcançar a sobreviver com dignidade, de almejar outros sonhos e objetivos antes de chegar à reta final mesmo se usar apenas as asas de sua imaginação.


O casulo e o amanhã.

domingo, 5 de março de 2017

Parece banal e nem é uma lenda o que vou dizer: sem o amanhã não haverá esperança e muito menos existiríamos. Se não existir o amanhã quedaríamos à beira da estrada da vida ou nos tornaríamos um desconhecido fóssil nas areias quentes do deserto. É importante saberem que o amanhã é que aquecerá o ontem, o hoje, e continuará aquecendo mostrando-nos como devemos fazer para sobreviver neste mundo, onde, comparativamente, continuaremos sendo apenas um grão de areia ou um casulo incrustado numa seca forquilha de árvore. Confesso que acho brega relacionar a palavra amanhã nos momentos de transformação com uma borboleta. Parece algo bobo e superficial. Mas ultimamente venho pensando sobre esse assunto. Não sei muito bem o motivo, mas venho. E o mais engraçado é que o que tem me chamado mais atenção nessa história toda de borboletas é algo, aparentemente, muito sem graça: o casulo. Todavia, é bom atentar que um dia nós também precisamos abandonar o casulo para alcançar com sobriedade o amanhãjamais devemos transformar o casulo numa prisão, pois acredito que no fundo todos querem voar e conhecer novos caminhos. E você? Suas asas um dia vão bater em busca de um novo amanhã?

A questão é a seguinte: Por que certos pássaros migram? Por que cardumes de baleias se emergem e imergem sobre as águas oceânicas? Por que as piracemas sobem cachoeiras procurando águas mansas e as nascentes do futuro? Aliás, algo que certamente quase ninguém consegue cogitar é a ideia de que existam peixes capazes de escalar paredões de rochas verticais sozinhos. Os animais, aves e insetos que vivem ao nosso redor nos dão lição de como se deve sobreviver. Os periquitos ou qualquer ave engaiolada, por exemplo, estão presas, mas continuam cantando de forma sublime como se nada tivesse acontecendo. Quando estou na fazenda noto que em todas as madrugadas eles cantam, e seja dormindo ou não, sinto-me como se estivesse num barco que segue sua rota à busca do inimaginável. Certo dia, visitei o Vale do Éden e lá, curioso que sou, observei alguns casulos e num deles, asas brotavam e uma borboleta saiu para sobrevoar aquele recanto aprazível ou, talvez, visitar outros ares, outros recantos, outros céus. Ao caminhar entre a densa mata às vezes tocava com as mãos aquelas formas vivas que se adormeciam nos galhos das árvores disfarçadas de vegetal. Imaginem o futuro daquelas células em formato de casulo. Imaginem-nas saindo, voando, pousando noutros arvoredos, flores e jardins. Mas tal imaginação não era privilégio só meu.

Na sacada do meu apartamento estão dependurados muitos vasos ornamentais, como: samambaia, trepadeiras, crisálidas, orquídeas, flores de maio e do deserto, onde fico pasmo a contemplar. Numa dessas raízes, um pequeno casulo, mas todas elas sabiam, mais que eu, a que momento ia se desabrochar e a que horas a mãe-borboleta e o beija-flor passariam por lá. A trepadeira que já esparramava seus braços sobre as tela de proteção avançava sobre os nós e nem contabilizei os centímetros de sua jornada, só sabia que fazia sombra na sacada, seguindo o fio de náilon do tempo, me ensinando a direção das coisas. O vento soprava pelas costas de suas pequenas folhas e elas balançavam verde sobre a tela como a uma caravela reinventando seu verdadeiro mar. Dizem “nas bocas pequenas” que foi um suicida que decretou a morte do amanhã, mas o idealista, ao contrário, é um viciado que toma o amanhã nas veias, aspira-o, e em círculos esfrega-o nos olhos para impregnar nas suas retinas outros amanhãs. No entanto, em relação ao ontem, ao hoje e ao amanhã, digo: a vida está difícil, dura, e se continuar assim, não são possíveis, pois esse País não tem mais jeito, muitos amaldiçoam Deus e o diabo, mas no dia seguinte, amarfanhados, caminham juntos à beira do lago, de um rio ou mar para saudar a aurora.

A natureza é sábia, basta olhar os lírios do campo: eles passam a vida tecendo e fiando o amanhã. E o jardineiro que parece um perverso podador no presente, rega, aduba, faz antecipar a floração da vida mesmo usando suas lâminas de dor. É sabido que indo a busca do amanhã as cobras perdem sua pele. Cães ladram pressentindo o perigo que os homens não percebem. Os lobos quando uivam para a lua estão à sua maneira saudando o cio das madrugadas. Entendo que não devia ter muros, telas, gradis, gaiolas, para encarar e prender as aves, borboletas e beija-flores do amanhã.

Hoje, mesmo me achando um grão de areia neste imenso universo eu saí em busca do amanhã, e como uma nave espacial passar por Marte e outros planetas, e se possível, pousar em Urano. Sai preocupado nessa viajem imaginária, pois numa Casa Legislativa, atabalhoada e corrupta, foi possível ver que os homens já estão legislando para desconstituir o amanhã. E se acabarem com ele outros seres menos ferozes de outras galáxias, mais humanas talvez nem nos receba. Voando no meu mundo imaginário lembrei-me de minha mãe artesã que tecia e destecia seu amor nos fios da madrugada esperando meu pai chegar e abrir a porteira. Era assim que meu pai lavrador - o mais otimista dos homens – roçava os matos para plantio usando uma enxada afiada que gemia nos terrenos férteis e inférteis. Hoje eles se encontram em outra dimensão, mas antes renasceram das próprias cinzas transfigurando suas ações em amor. O que fazem os amantes que ficam nos bares da vida e praias banhadas pelos mares revoltos? O que fazem os amantes debaixo das árvores de noturnas ruas e nos leitos secretos de motéis? Será que estão cumprindo o ritual de crença no amanhã? Não sei. Só sei que o ano mais uma vez terminou, só que agora passou a ser contado depois de findo carnaval. Vem à quarta-feira de cinzas e com ela o jejum, então, resta-me comer e beber as horas que faltam para alcançar um novo dia ou quiçá, o tão sonhado amanhã. Ah, somos apenas um grão de areia ou um casulo diante deste imenso universo, todavia, mesmo pequeninos, jamais devemos destruir os objetos, as memórias que ficaram para reinaugurarem o ano que se inicia. Oh, amanhã! os que vão alcançá-lo e vivê-lo com intensidade, te saúdam!



Morro do Alemão sob o olhar de um poeta.

quarta-feira, 1 de março de 2017


Esta história foi contada pelo amigo Duda Morais, poeta que morava no Morro do Alemão. Dizia ele que certo dia quando subia lentamente a ladeira do morro, avistou logo à direita um poeta que se encontrava debruçado sobre a janela. Deu mais alguns passos e notou que do outro lado da rua, à esquerda, tinha outro poeta. Continuou subindo e bem à frente numa pequena sacada, com o olhar voltado para a imensidão do universo, viu mais um e mais além, numa mesa de bar já perto do topo do Morro, mais outro. À medida que ia passando por eles Duda observava que os mesmos estavam com semblantes preocupados e vozes emudecidas e por razões óbvias, pois ouviam ecoar em todos os cantos da favela rajadas de balas que riscavam a noite que mais parecia uma pirotecnia. Alguém estava com um revólver na mão, mas Duda notou que não era o poeta que estava debruçado na janela. A sua única arma era a caneta e na sua intimidade, usava apenas um calção surrado e estava com o tronco nu exposto aos trópicos. Também não era o poeta da direita, pois Duda mesmo com os olhos embaçados não o viu manejar arma alguma. Observou também que estava desarmado o poeta que se postava na sacada, assim como, o da mesa de bar. Na realidade eles tinham que ficar quietos para não serem alvejados pelos traficantes ou policiais que adentravam na favela atirando a esmo. Diante daquele calor agonizante ouvia outros zumbidos, mas os de pessoas fazendo sexo, bebendo cervejas e dando risadinhas sarcásticas escondidos com suas amadas nos becos escuros.

Duda dizia que não enxergava tão bem mesmo tendo olhos perfeitamente sãos, mas usava óculos de grau para enxergar à distância, todavia naquele entardecer ele tinha esquecido sobre a escrivaninha. Se os olhos só veem aquilo que estão preparados para ver, então os olhos do poeta estavam, pois a situação em tela, sob o olhar dele, todo aquele aparato policial para enfrentar o tráfico era real, comum na região, coisas que aconteciam cotidianamente, tão normais que mais pareciam cenas de um filme reprisado. Sabia o amigo poeta que ao caminhar por aquelas ruas estreitas começaria a viver um dilema conflituoso… Felizmente, seus ouvidos eram aguçados e escutavam passos mesmo distantes. Dizia que tinha uma boa audição. Mas seus olhos embaçados e na falta dos óculos não podiam ver com nitidez o que os ouvidos ouviam… Escutar suas aflições, seus dilemas, escutar o seu coração bater forte, e escutar o seu próprio caminhar era o que lhe restava. Mas não podia ver nada daquilo, nem mesmo seus passos. O engraçado é que não conseguia ver nem a si mesmo. Pensava: Será que eu estou invisível!

Era tanta a sensibilidade que sentia as mãos do poeta da janela tocar em alguém; ouvia estalos de beijos; sentia um gemido de mulher; ouvia o vento roçar seus cabelos, mas se havia realmente uma mulher misteriosa ao lado daquele poeta Duda até seria capaz de sentir, mas, infelizmente, não a viu, apenas escutava murmúrios e estalos. Seus olhos de poeta estavam embaçados de tal forma que ele não podia ver o mundo com sentimento de destruição. Contabilizou segundo e chegou à conclusão de que tinha captado cinco sentidos: inexatos, confusos, impróprios, relevantes, surpresos… que lhe levaram a sentir; sentir apenas o que ele queria e podia sentir cujos sentimentos sabiam serem somente seus porque era um ser humano, igual a todos nós.

O poeta que debruçava na janela após beijar a donzela, puxou-a para dentro do barraco e depois se despediu. Deu alguns passos, atravessou rapidamente a rua e subiu até a sacada. Os dois poetas se cumprimentaram. O poeta que estava debruçado na janela era esquelético, mas elegante, e o outro, mais troncudo. Um vestia calção e camiseta surrada, o outro, calças jeans, mas com o tronco nu exposto aos trópicos. De onde estava Duda quase não conseguia ver. Os outros poetas ouvindo tiros subiram apressadamente a escadaria e juntaram-se aos dois que se encontravam na sacada se ajeitando como podiam para fugirem das balas perdidas. Houve confronto. Os traficantes ficaram frente a frente com policia que subia com passos lentos e cadenciados, mas se esgueirando nas paredes das casas e lojas comerciais. Mesmo com os olhos embaçados Duda via os poetas na sacada e uma cumplicidade entre eles, como se fossem executivos se reunindo em torno de uma mesa de negócios. A cada tiro, ao invés de retrucarem ou gritarem, os poetas pegavam um caderno e escreviam poesias... E naquela noite foram muitas. Em certo momento um deles parecia brincar com uma arma, fazendo girar no dedo como naqueles filmes de caubói que Duda assistiu, eu assisti e sei que todos assistiram nos tempos idos, mas não era arma, apenas uma caneta. Duda esfregava seus olhos em círculos como faz o relojoeiro quando dá corda ao tempo. Rodava. Parava. Rodava como nos filmes. E, de novo, um dos poetas, com a flanela nas mãos, limpava uma coisa qualquer, como a um experiente zelador que lava e limpa uma vidraça. Duda postou-se sobre o vão da janela de seu barraco que ficava empilhado sobre outro, viu aqueles quatro vultos e á pouco metros deles um pelotão de policiais. Com os ouvidos aguçados, deu um passo para trás e fechou a janela. Lá de cima os poetas não podiam ver o que Duda de sua janela repetidamente via. A rigor, nem olhavam ao redor da favela, e o que eles teriam que enxergar, não enxergou e muito menos gritos carnavalescos que ecoavam pelas ruas e avenidas.

Duda enquanto estava postado na janela via outros personagens em cena. Uns subindo e outros descendo vagarosamente pelas estreitas ruas. Ele viu um ou outro favelado, alguns ainda usando fantasias carnavalescas. Um parava, mas olhava o outro que estava armado, andando como se nada tivesse acontecendo. É coisa comum na favela. Nada de espanto. Nada de constrangimento, dizia Duda. Mas ele ouvia e via algo mais que eles. Via o vulto de uma criança voltando talvez retornando de um arrastão. Sentia que ela estava sorridente mesmo com a escuridão lhe cobrindo o rosto. Ouvia vozes e passos que subia calmamente os degraus, e depois o vulto de uma pessoa parar diante de três homens de calção e dorso nu. Um dizia qualquer coisa ao que brincava com uma arma como quem podia a bênção ao pai ou saudava uma linda recepcionista. Olhava a arma como quem via nela um fruto amadurecendo. Como quem olhava um instrumento de trabalho de adulto. Com o mesmo pasmo do filho olhando os objetos usados pelo pai marceneiro.

Olhando todas aquelas cenas Duda compreendeu que todos somos prisioneiros de nós mesmos. Na parte alta do morro ele contemplava de um ângulo homens seminus, portando armas pesadas e de grosso calibre, e na sacada, num outro ângulo, igualmente agudo, os seus amigos poetas, intranquilos, amedrontados. Duda e os quatro poetas se sentiam prisioneiros, como se estivessem em cárceres privados, imobilizados diante daquele visual antesocial, real, pervertido. A ansiedade não se alojava apenas no ângulo de seus olhos embaçados, mas de meus amigos também. Observava um rapaz de calção e sua arma, como quem via qualquer força da natureza. Amanhã durante o dia ou à noite, ele sairá com mesma arma, como se fosse uma coisa normal. Talvez encontre na rua ou numa travessia escura uma pessoa incauta e lhe arrebente a cabeça com a bala de sua fúria. Ele não dará tempo ao infeliz e atirará sem pestanejar ou apenas para ouvir o gemido do desafeto. Se essa situação vir acontecer com comigo, com os poetas ou com qualquer outra pessoa inocente, não estarão aqui para contar o acontecido, todavia jamais terão um olhar indiferente dos poetas.


 
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