Amigo leitor (a)

Amigo leitor (a). Quando lemos um livro, ou qualquer texto, publicados ou não, que são sinônimos do prazer, por mais simples que forem, sejam reais ou surreais, nos permite exercitar a nossa memória, ampliar nossos conhecimentos e nos faz sentir as mais diversas emoções, por isso, sensibilizado, agradeço a sua visita ao meu Blog, na esperança de que tenha gostado pelos menos de um ou que alguns tenha tocado o seu coração. Noutros, espero que tenha sido um personagem principal e encontrado alguma história que se identificasse com a sua. PARA ABRIR QUALQUER CRÔNICA OU ARTIGO ABAIXO É SÓ CLICAR SOBRE O TÍTULO OU NA PALAVRA "MAIS INFORMAÇÕES. Abraço,Vanderlan

O ano de 2016 se foi e eu sobrevivi...

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Quando nasci, de forma irônica, a parteira que me ajudou a vir ao mundo, devia ser uma distraída, mas, de certo modo, possuidora de um espírito crítico iluminado, pois disse no momento que nasci que eu era bonitão. Nascia mais um aquariano. Cresci sem bolo, sem vela de aniversário, sem pedidos, sem brinquedos e durante muito tempo o travesseiro foi meu melhor amigo. Ele parecia triste também. Aprendi a conversar com ele e dizer a verdade. Mentir não é coisa minha. Sem sono passei muitas noites contando carneirinhos e no mundo dos sonhos me tornei um dos maiores produtores desses animais, que guardava com carinho nos currais da vida que construía a cada sonho. Tinha certas noites que contava de três em três dada à quantidade que se acumulava nas minhas insônias. Quando conseguia dormir, doía, assim como a vida. Demorei a gostar de viver e tinha uma tristeza que me visitava até mesmo nos dias de alegria. Por conta disso, aprendi a sorrir com economia, mas quando me permitia sorrir, sorria com vontade. Era pequeno demais para entender a vida e compreensível os fantasmas não me perseguirem e não quererem me adotar.

Ainda pequeno já morando em Goiânia, saía para trabalhar com uma caixa de engraxar sapatos. Morava no Setor Ferroviário e quantas vezes eu passei por caminhos rodeados por imensos matagais onde até fazia necessidades fisiológicas. Toda vez que passava pelo colchete de arame de minha casa ou na roleta da Estação da Estrada de Ferro, nem percebia a tristeza fazer sombra no meu sol. Ele, antes de entregar a noite à lua, me ensinava o valor da liberdade, da honradez e honestidade. Desde pequeno, era viciado em livros infantis, gibi, revistas em quadrinhos e em certos momentos eu parecia fugir das galés. Cada remada nas páginas da vida, mais gibis, mais livros, mais revistas. Em cada um ou uma, descobria continentes, astros, ídolos, atores, autores, heróis, gentes diferentes, importantes que me faziam sonhar. Aprendi a conhecer os oceanos, a amar o mundo e achar atalhos para o coração sem me tornar moleque ou escravo de ninguém. No meu primeiro livro hoje já corroído pelas intempéries do tempo, tentei construir nele um sonho, sem saber que tinha, em seguida, outros, que por mais singelos que foram, sei que ensinaram pessoas a gostarem de leitura e poesia. Eu gostava e gosto de escrever, divulgar e botar fogo no pavio para incendiar mentes preguiçosas. E escrevendo achei a fórmula de sonhar, de voltar a sorrir no lugar que me fazia chorar. Tem dia que tudo é poesia. Engraçado, de tanto escrever e tentar levar mensagens a cada um, indistintamente, acabo fazendo essas pessoas felizes. Certo dia estava sorrindo distraidamente e uma pessoa me perguntou por quê? Naquele dia fiquei sem entender, agora eu sei. O amor de minha mulher, dos filhos, noras, genro, netos e netas me deixam feliz. Dificilmente a gente se dá conta do sorriso de uma criança, do voo bisonho de uma garça ou da graça de uma borboleta, do perfume de uma flor, do canto de um pássaro, ou do doce de uma fruta qualquer; não percebemos a perfeição, o espírito revolucionário e aventureiro da juventude, quando todas as utopias eram possíveis assim como maravilhosas.
Poucos dias atrás, com uma caixa de engraxate pendurada no ombro, um jovem cruzou a rua e veio em minha direção dizendo:
- Não sei se o doutor lembra-se de mim, mas quando estive lá perto de sua casa e ouviram umas pessoas me chamarem “Ô da graxa, ô engravatado!”, para diferenciar de outro menino que não se vestia alinhado assim como eu, mesmo sendo também engraxate.

O engraxate era moreno, alto e forte. Para ser sincero, lembrava dele sim e como não se lembrar de sua forma alinhada de se vestir, pelo menos ficava claro de onde eu o conhecia. Lembrava também que o tinha tirado da prisão com um simples habeas corpus e pagamento de uma pequena fiança. Era réu primário. Na saída da Delegacia de Polícia um policial veio com um sorriso sisudo, lhe entregou uma caixa de engraxar como presente, mas o repreendeu, mas de forma carinhosa. E como valeu a repreensão!

Para refrescar a memória dele perguntei: Já visitou a cadeia novamente? Ele respondeu:
- Deus me livre, agora sou trabalhador com muito orgulho e graças ao senhor e aquele policial.
- E dá para viver engraxando sapato?
- Sim. Saio de casa bem de manhã e só retorno à noite e tenho muitos fregueses. Dá para tirar uma boa grana. Acho que depois que comecei a vestir assim e usando gravata o povo pega mais confiança. Ganho o suficiente para ajudar minha mãe nas despesas de casa e pagar o aluguel de um barraco no Setor Perim. Juquinha, com a caixa de engraxar pendurado nos ombros disse ainda percorria de dez a quinze quilômetros por dia no encalço da clientela:
- Procuro passar em lugar que tem homem parado: ponto de táxi, porta de bar, restaurante com fila de espera, praça com aglomeração de aposentado. Cobro de acordo com a aparência do cidadão.

 Pelo que fiquei sabendo, Juquinha foi aluno comportado até aos dez anos, mas infelizmente perdeu seu pai e aí tudo se desabou. Passou a distribuir panfletas nas ruas e avenidas de Goiânia, e foi aí que pegou gosto pelo dinheiro, mas também se “enrolar” com meliantes que infestavam as ruas da cidade, conhecendo a maconha, para desgosto da mãe que prestava serviços domésticos em residências. Um dia, o primo decidiu mudar de ramo e disse a Juquinha que não se conformava com aquela ninharia que ganhava com a distribuição de panfletos; tinha nascido para uma vida melhor. Levantou a camisa e exibiu o revólver no cinto. "Vem comigo, é apontar a arma e pegar o dinheiro."

Juquinha não tinha coragem, pois dois de seus amigos de infância que também eram engraxates haviam acabado de morrer num tiroteio na Vila Nova. Mas, outro menino mais velho insistiu:
- Eu enquadro as vítimas e você recolhe o dinheiro e os objetos de valor. É só ficar de cabisbaixo pra ninguém te reconhecer mais tarde. Não requer prática nem tampouco habilidade.
Na primeira vez, quando assaltaram uma loja na periferia da cidade, tudo se passou como o primo previra. Na partilha, couberam R$ 500 reais para cada um. Juquinha nunca tinha visto tanto dinheiro junto. O bolso inchou de notas. Comprou uma calça jeans, uma camisa gola pólo, e para sua mãe uma blusa. Num dia torrou todo o dinheiro roubado. Aos 12 anos foi capturado e lavado para a FEBEM. Fugiu, todavia, mais esperto e com novas amizades. Juntou-se ao inseparável primo e formaram uma quadrilha. Meses mais tarde, o primo foi morto por justiceiros a serviço dos comerciantes da Vila Concórdia.

Certa noite, Juquinha e dois comparsas assaltaram uma loja no centro da cidade e saíram em desabalada carreira, mas poucas horas depois foram cercados por duas viaturas de polícia. Os policiais gritaram para que jogassem as armas no chão e saíssem com as mãos na cabeça. Pensaram em reagir, mas prevaleceu o bom senso do finado primo Anselmo, mais conhecido como cabeção. Era o mais experiente da turma. Disse que se eles atirassem morriam no ato: eram três jovens contra oito policiais. Preso em flagrante Juquinha, que era menor de idade, foi levado para a Delegacia de Menores, mas acabou solto graças a minha experiência como advogado e que me responsabilizaria por ele. Nada mal para quem havia praticado mais de trinta assaltos, entretanto, na cadeia, adotou uma atitude humilde, estratégia à qual atribui a tal sobrevivência e o querer mudar de vida. Os outros que tinham fama de bandidos perigosos, sangue nos olhos, só um está vivo.

Com disso acima quando Juquinha foi libertado o policial lhe entregou a caixa de engraxar sapatos, senti que sua fisionomia realmente mudou para o bem e jurou pra mim nunca mais por os pés naquela Delegacia. Assim, dias depois, naquele encontro casual perto de minha residência perguntei-lhe se era mais feliz engraxando sapatos, e ele, com jeito maroto de quem sobreviveu ao mundo do crime, respondeu com um sorriso:
- Não tem nem comparação, doutor. Sabe o que é viver com medo? Hoje vivo sem ele. Qualquer veiculo policial imagino serem os justiceiros chegando! Imagino-me também entrando numa padaria para pedir uma média com pão e manteiga e não ter vergonha de sentar no banquinho e encarar as atendentes. Imagina-me doutor, agora de camisa branca e gravata. Estás diante de um campeão de vendas de uma loja de calçados... Posso dizer que eu venci e sobrevivi e sei também que o senhor foi engraxate como eu e venceu e sobreviveu a muitas batalhas durante sua existência... Olhei fixamente no rosto do elegante Juquinha cujos olhos já lacrimejavam, disse-lhe: Verdade, o ano de 2017 chegou e posso lhe afirmar que você me surpreendeu, tornou-se um vencedor como eu e sobreviveu aos percalços que a vida nos impôs.


Mundo desigual

domingo, 18 de dezembro de 2016


Voltar ao passado depois de viver décadas à procura do saber, de entender as pessoas é como decifrar sinais sem ter tido a sapiência necessária para, pelo menos, tentar saber o que querem da vida e o que pretendem enxergar no futuro. Voltar a ser de repente tão frágil como a uma criança seria como forçar a barra diante de Deus. Impossível! E é isso o que eu sinto neste momento de reflexão... E refletindo vou me enredando, conspirando, intrigando, juntando, ligando, maquinando, prendendo, tramando, unindo, urdindo diante do meu próprio universo. Em certos momentos, ao trazer de volta alguns pensamentos arquivados num mundo incógnito comecei a refletir: “Deus é isto. Deus é beleza que se ouve e se manifesta no silêncio”. E eu ali debruçado na janela pensando: Quanto mais desciam águas pelo vão quadriculado entendia o motivo daqueles minúsculos espelhos d’água se debater sobre ela. Tudo ali parecia orquestrado pela natureza que tentava me convencer que eu vivia num mundo desigual. Que vivia no planeta do absurdo, e o pior que é verdade. Mas o mundo tão belo e rico que se estampava diante de meus olhos era clarividente a desigualdade, infelizmente. Ele mostrava seu contraste longe ali, lá e acolá ou até onde meus olhos alcançava

Mundo desigual mesmo. Doenças que se alastram e algumas incuráveis, que deixam as pessoas desnorteadas tornando-as deficientes ou incapazes para o trabalho. Mas ali do alto da janela meus olhos desfrutavam de tanta beleza que jamais imaginaria outras coisas a nós impostas, e às vezes, achava serem apenas cenas represadas no meu subconsciente, mas não eram. Como contestar isso se os meios de comunicação mostram fatos novos todos os dias como: crianças e mulheres que se prostituem para sobreviverem; crimes de pedofilia, chacinas, roubos sequestros, corrupção, abuso do poder econômico que oprimem os menos favorecidos. Isto realmente não é irreal ou utopia, é pura realidade, uma realidade que se alastra como se fosse uma coisa natural característica da própria espécie humana. E é aí que tento refletir sobre isso, mas às vezes sinto os meus passos regredirem quando muitos outros avançam; vejo pássaros adentrarem em ninhos como o sangue faz em nossas veias, mas este, sempre com o rumo certo: o coração. Até mesmo as rédeas que nos amarra podem estar unindo também nossos destinos. É como se a gente fosse um diamante bem lapidado brilhando em almas serenas.

Como pode a gente ter sentimentos e não ter a capacidade de discernimento, nem o mais claro proceder ou amplitude do que pensamos de nós mesmos. Nem o mais claro proceder, nem o pensamento mais amplo é capaz de se firmar, tudo muda quando trata-se de mero assistente e não condescendente. Geralmente nos distanciamos dos rancores e da violência, pois acreditamos que só o amor como a ciência nos tornam tão inocentes. O amor é turbilhão de pureza original, assim como o animal que mesmo feroz sussurra adocicado. Deu um tempo raça humana! Liberta-te dos jugos, das arrogâncias, dos fingimentos e insensatez! Ainda há tempo de amar, usar suas dedicatórias para Deus e voltar a ser menino. Ainda há tempo... Sim, a ampla janela aberta, talvez como se fosse pura magia, Deus entrará por ela com o seu manto o protegerá das manhãs frias e das incertezas de um novo amanhã..

Ao ver a multidão perdida na escuridão da vida e sem a presença de Deus, preocupei-me sobremaneira de ver muitos deles perderem a sua ligação com a igreja na qual foram batizados. Outros, sentindo-se excluídos pela sociedade, violentados moralmente e impossibilitados de terem acesso aos bens necessários para a sua sobrevivência, ficam frustrados e se deixam tomar pelo desânimo, deturpam-se as mentes e deturpadas, partem para as formas mais fáceis de ganhar dinheiro, exemplificado no tráfico de drogas, que tem levado muitos jovens ao crime e à morte prematura. Alguns, sem a orientação eficaz, mudam de religião como se estivessem trocando de roupa ou sem esperança, tornam-se indiferente a tudo, fato que a igreja deve procurar saber para obter uma resposta mais adequada para combater os desafios aqui constatados.

Neste momento de reflexão, mesmo usufruindo das benesses de uma sombra e o sopro do vento que vem de um céu coberto por nuvens, comecei a entender realmente que não só a sociedade brasileira está na UTI, mas todo o planeta Terra. A doença do egoísmo e da maldade domina todo o sistema, onde, de forma excludente, não se consegue realçar a solidariedade como valor extremamente capaz de forjar um mundo mais humano e fraterno. È necessário que a perda progressiva do seu senso ético e o próprio individualismo como se fosse uma doença incurável, possa ser retirada com a inserção do bisturi do amor, juntamente com a raiz da justiça, que está sendo vilipendiada dia a dia possa se recuperar diante da opinião pública, deixar bons exemplos para que o povo sofrido, o indefeso, os mais fracos e os menos favorecidos possam enxergar uma luz no fim do túnel e quiçá, um dia, o mundo deixe de ser desigual.


Augusto Matraca e o Reino da Utopia.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Não sei se é minha imaginação criativa ou vivo num mundo que parece não ter existência real, ou qualquer descrição imaginativa de uma sociedade ideal, fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da coletividade. Será que vivo realmente no Reino da Utopia? Parece que sim, pois de repente vejo que tudo vai ficando tão complicado que me assusta. Assusta porque o povo vai perdendo as necessidades; vai reduzindo a bagagem e aí vem à desesperança e a falta de dinheiro nem se fala. Escutamos as opiniões dos outros, mas não combinam com as nossas, são realmente dos outros, e mesmo que seja sobre a gente, não damos a mínima importância. O Reino vai se despedaçando e nós vamos abrindo mão das certezas, pois já não temos certeza de nada. E isso faz falta e muito, principalmente quando paramos de lutar por ele, quando não sabemos o que é certo e o que é errado ou se realmente existe a palavra certa ou errada. Será que é esta vida que cada um escolheu para experimentar neste Reino da utopia ou fantasioso. Todavia, entendemos que tudo o que importa é lutar por dias melhores, vivermos paz, sem medo de expressar a verdade, de lutar por aquilo que sonhamos, de fazer aquilo que é certo e que nos alegra, de realizar tudo aquilo que nos faz bem e que nos deixa feliz.
 
Ao lerem esta crônica peço para não confundirem o nome Augusto Matraca com personagem de um filme brasileiro “A hora e a vez de Augusto Matraga” que passou nas telas de cinema há décadas, ou mesmo com um instrumento de percussão formado por tabuinhas movediças, ou argolas de ferro que, ao serem agitadas, percutem a prancheta em que se acham presas e produzem uma séria de estalos secos; não confundir também com aquela ave passeriforme da família formicarídeos que tem o seu maior habitat nas regiões tropicais. Esta crônica também não foi escrita para falar sobre a matraca, aquele instrumento muito usado na roça para o plantio de sementes, entretanto, esta peça de quem falo foi usado por várias gerações, e hoje, o povo o usa como forma pejorativa e até cômica como meio de separar as pessoas educadas, responsáveis e éticas, das tagarelas, das falantes, mais conhecidas como “matracas”.

A história que vou contar, de forma ficcional parece fantasiosa, utópica, mas foi extraída de fatos reais que pessoas vêem e lêem diariamente nos jornais, rádio e televisão; notícias que mostram e falam de coisas espalhafatosas, escabrosas, horripilantes; notícias que falam de crimes do colarinho branco, seqüestros, pedofilias, assaltos, roubos, malversação do dinheiro público, peculato e ainda, sobre a corrupção generalizada e tantos outros males que infestam o nosso Reino, que, se tivesse que descrevê-los um a um, o editor do jornal teria que me ceder uma página inteira ou duas páginas para concluir esta crônica.

Bem caro leitor, o Augusto, personagem desta história, representa aquelas pessoas que diziam ou se dizem respeitados, venerados, magníficos, magnânimos, os maiores dos maiores... Pessoas que se achavam ou ainda se acham intocáveis e ninguém os deve contrariar ou subjugá-los porque se isso vir a acontecer, esse alguém poderia considerar-se “perdido”... Mas, perdidos estão eles, e sozinhos...

Certo dia, com o sol bastante escaldante no Reino da Utopia, eu adentrei num restaurante central, perto da Casa Legislativa, para degustar uma saborosa pizza quando ouvi um grupo de pequenos agricultores comentando sobre a corrupção que assola o Reino. Falavam também sobre a falta de segurança, a precariedade da saúde pública e tantos outros crimes e mazelas praticadas por autoridades públicas, alguns sequer tinham sido eleitos pelo povo, mas tinham lá seus padrinhos políticos.

Ajeitei uma mesa e fiquei atento naquele debate popular, até certo ponto caloroso, pois notei que tinham opiniões diferentes, todavia, como cronista não poderia passar para o papel os erros de pronúncia daqueles matutos agricultores, então resolvi usar as regras estabelecidas pela gramática normativa que ensina a grafia ou uso correto das palavras e o fiz para que a conversa entre eles ficasse entendível. Então segue parte da prosa:

- Compadre Zeca, eu já não agüento mais ouvir falar em política. Logo de manhã ligo a televisão e só escuto falação, é gente graúda querendo se livrar da prisão iminente, pois dizem que em razão de uma delação premiada e Acordo de Leniência firmada por membros de uma grande empreiteira com a justiça, dizem que quase duzentas autoridades públicas estarão “enroladas” com a dita delação. Vi, não só um, mas vários políticos tentando safar-se de suas próprias falcatruas aprovando na calada da noite uma mudança na Lei Anticorrupção para se beneficiarem, e o pior, é que participaram daquela discussão na Casa de Leis até Ministro do Supremo Tribunal Federal concordando com a alteração da mencionada, cujo ato se aprovado pelo Senado representará ao Reino um retrocesso em relação às conquistas obtidas por toda a sociedade e que vão contra a própria iniciativa popular, cuja propositura foi assinada por mais de dois milhões de pessoas. Logo ele, um Ministro, que devia dar bons exemplos para as novas gerações parecia concordar com as alterações. Na alteração dos dispositivos da lei anticorrupção se destacou o Presidente do Senado, Romão Galheiros, que no mesmo dia da primeira votação tornou-se réu no Supremo Tribunal de nosso Reino. Comenta-se também o alcance dela em relação a um ex-presidente do Reino, Senhor Gula Pietro Brás da Silva, indiciado no processo denominado Operação Lava-Rato, indivíduo que poderia ter se tornado um estadista respeitado e o seu nome gravado de forma honrosa na memória do povo, mas o único legado que deixou foi extremamente negativo: um Reino endividado, empresas falidas e com o patamar de mais de vinte milhões de desempregados e uma inflação galopante. Coisa de louco!

- Compadre, o tal ex-presidente ainda se acha santo e o mais honesto do Reino. Ainda bem que moramos no Reino da Utopia que nada mais é do que uma ideia de civilização ideal, fantástica, imaginária. Um sistema ou plano que parece irrealizável, uma fantasia, um devaneio, uma ilusão, um sonho. O tal ex-presidente quando discursava parecia que o povo é que era o culpado, e hoje, continua acusando todo mundo pela situação caótica em que vive o nosso Reino. Ele esbraveja contra tudo e contra todos, renega os companheiros presos, acusa imprensa, o governo atual e até a própria justiça. Ligo a TV vêm mais notícias... A “coisa” está preta, fora do prumo, compadre Neca! Ontem à noite quando eu voltava do trabalho assisti a um noticiário televisivo apresentado pelo jornalista Jota Luz da Pena onde mostrava assaltos, assassinatos, prisões de traficantes, crimes de pedofilia, mortes de policiais ocorridos em várias partes do Reino, tudo de forma repetitiva e cansativa. Mudo de canal e me aparece o barbudo que vocês todos conhecem, suando igual gambá, falando baboseiras desconexas e um grupinho de gente aplaudindo o discurso de uma pessoa com ares de esclerosada. Passo para outro canal e sabe o que me aparece? Um pica-pau inquieto, enjoado, de voz fina que há tempos vem dando trabalho para o seu dublador, o qual deve sofrer com suas espertezas. - Finalizou.

- É compadre Joaquim, depois de te ouvir chego à conclusão que o nosso Reino está fora do prumo mesmo! Além de tudo isso, tem muito político falando demais, mas tudo pra esconder as suas “maracutaias”. Esses sim são denominados de “matracas” que falam até escumar o canto da boca, não enxerga o próprio umbigo e nada produzem para o nosso Reino. Não apresentam propostas concretas para estabelecer a ordem social, muito pelo contrário... Tem administrador público e ou mesmo políticos que os apóiam não querem que projetos de interesse do povo sejam aprovados no Legislativo, mas se for, tem que ser do jeito que eles planejam, ou seja, desde que em beneficio próprio. Mas ultimamente as carapuças estão se enfiando, mesmo devagar, nas cabeças daqueles que se acham maior que a lei e acima da vontade popular.

- Concordo com você Toninho! Carapuça neles! Muitos desses que já nem ligam em usar a carapuça, continuam aproveitando da pobreza para angariar votos, dando-lhes míseras ajuda, mas esqueceram que todos querem é dignidade, emprego decente para sustentar a família.

- Toninho, você tem razão. Esses caras enganadores têm que ser punidos pela justiça ou serem excluídos através do voto – é a única arma que povo tem. Um dia eles vão cair na real, como já aconteceu com muitos que foram derrotados nas últimas eleições, vão ter que respeitar o povo e não continuarem dizendo de forma acintosa e desrespeitosa: “Estou me lixando para a imprensa e para o que o povo pensa”. Complementou Joaquim.

Enquanto eles discutiam, imagens e situações vividas no mundo político vinham à minha mente e de algum modo ao ver a maneira simples e até caipira de se dialogarem senti que tinham razão. Olhei para o lado, talvez aqueles pequenos agricultores nem tivessem percebido, estava bem pertinho de nós um dos nossos maiores personagens: O Augusto Matraca. Ele fazia parte dos esquemas, era um político astuto, corrupto ao extremo, que se considerava um ser superior, o maior de todos, “manda chuva”, mas, naquele momento estava cabisbaixo, com o olhar absorto, pensativo. Observei que ele se escondia atrás de óculos escuros e um boné enfiado no couro cabeludo, mas ouvia atentamente o bate papo daqueles humildes trabalhadores e ele parecia reconhecer de que havia muita filosofia de vida, conhecimento e discernimento político em seus comentários por mais que o português não fosse pronunciado corretamente.

Com certo receio de ser reconhecido, pediu a conta, pagou com cheque, talvez em formato de bumerangue e saiu de mansinho. Com o semblante preocupado aquele dito personagem, que eu o denominei de Augusto, passou rente à mesa de cabeça baixa e foi fácil observar que naquele momento as palavras dos trabalhadores tinham lhe tocado a consciência e talvez, colocado sobre sua cabeça, uma imensa carapuça, afinal, até pouco tempo detinha o poder, mas, agora, estava ali, sozinho numa mesa de bar, com receio de ser reconhecido ou até ser expulso de lá como vem acontecendo com outros políticos corruptos em restaurantes e aeroportos do Reino. Eu tinha a absoluta certeza de que o que lhe doía e muito era falta de atenção e os despercebidos olhares daqueles que o elegeu, que outrora o bajulava, os quais, muitas vezes, através de suas ações, boas ou ruins, dependiam da falta de escrúpulos e astúcia dele.

 
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